Ciência volta ao passado para gerar soja mais resistente à seca. Entenda
Na tentativa de amenizar os impactos desse cenário negativo no agronegócio, a ciência trabalha no desenvolvimento de grãos mais tolerantes à seca. Para isso, está buscando no passado o histórico de cultivares que possam trazer respostas para as carências atuais.
Todavia, antes de se aprofundar no assunto, vale registrar que mais de 95% da soja brasileira é cultivada em regime de sequeiro. Desta forma, a necessidade de chuva durante a floração e o enchimento de grãos é de cerca de oito milímetros por dia, segundo a Embrapa. Tal exigência pode ser ainda maior se os termômetros estiverem acima dos 30°C, algo absolutamente comum no Brasil.
A entidade afirma ainda que, ao se considerar toda a safra de soja e tendo em vista a obtenção do máximo de produtividade, são necessários de 450 mm a 800 mm de água durante toda a temporada. Contudo, tal variação depende do manejo da cultura, da duração do ciclo, das condições climáticas e do solo.
Diante de um contexto tão desafiante, como a ciência pode ajudar a principal commodity agrícola do país a continuar batendo recordes de produção? A edição genética traz respostas interessantes e, ao contrário do que se possa imaginar, com previsão de aplicação na lavoura em um futuro próximo.
Soja mais resistente
Gerar soja mais resistente às estiagens por meio de melhoramento genético clássico é um enorme desafio, visto que esse tipo de tolerância advém de um grande número de genes. Mesmo assim, uma pesquisa desenvolvida nos últimos dez anos pela Embrapa Soja em colaboração com institutos de pesquisa do Japão chegou a uma resposta.
Os pesquisadores conseguiram introduzir um gene – isolado da planta Arabidopsis thaliana – e comprovaram que as plantas transgênicas apresentam maior estabilidade de rendimento frente ao estresse. O resultado disso foi uma semente que é, no mínimo, 15% mais resistente à seca, dependendo do nível de escassez hídrica aplicado.
Para tanto, foi usada uma metodologia de edição genética que age de forma cirúrgica no DNA da planta. Segundo a pesquisadora da Embrapa Soja à frente do estudo no Brasil, Liliane Mertz-Henning, a ferramenta CRISPR/Cas, com a qual é possível colher elementos de uma cultivar mais antiga e inserir em uma soja mais moderna, foi a escolhida.
“A soja, assim como outras culturas, tem uma variabilidade genética enorme. Temos bancos de germoplasma com mais de 50 mil tipos desse grão, que possuem características muito interessantes, mas que são difíceis de trazer para um grão mais moderno por meio de melhoramento genético”, considera.
O que acontece é que, muitas vezes, quando se consegue trazer as características interessantes de uma oleaginosa mais rudimentar para uma moderna, vem com elas outras peculiaridades que não são úteis, o que se explica pelo processo ser aleatório. “O CRISPR/Cas permite que se identifique em um material mais antigo uma determinada resistência à doença ou uma melhor adaptação a uma condição de estresse e se copie isso de forma muito precisa a uma cultivar mais moderna”, explica.
Barreiras para o lançamento
No entanto, os aspectos regulatórios associados aos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) dificultam a disponibilização dessas tecnologias. “Os testes e as exigências para se colocar um produto transgênico no mercado são bastante rigorosos. Temos legislações distintas em diferentes países e como a soja é uma commodity, ela precisa passar pela legislação de biossegurança das várias nações para as quais o Brasil a exporta. Assim, precisamos fazer a liberação no Brasil pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e também na China e na Europa, por exemplo. Isso acaba elevando bastante o custo e o tempo para colocar esse produto no mercado”, afirma.
Para contornar esse problema, as ferramentas de edição gênica são a alternativa. “A vantagem do uso do CRISPR/Cas é que se não estivermos inserindo genes de outras espécies e apenas copiando aquilo que está em uma soja mais antiga para uma mais moderna, essa nova planta não será considerada um OGM porque não possui sequências de outras espécies e não precisa passar por todo esse processo regulatório que é caro e demanda muito tempo“, destaca Liliane.
Com isso, de acordo com ela, reduz-se custo e tempo para colocar novas tecnologias no mercado, além de possibilitar que mais empresas desenvolvam o material. Assim, tem-se ferramentas que conseguem “popularizar” tecnologias de produção transgênica, aumentando a competitividade desse mercado que, até então, é restrito às grandes multinacionais. “Hoje em dia, ao se considerar toda a fase de estudo até a regulação de um transgênico para implantá-lo no mercado, tem-se um custo de 136 milhões de dólares“, diz a pesquisadora.
Mas quando teremos essa soja no mercado?
Tal investimento necessário a longo prazo explica o fato de existir no mercado apenas plantas transgênicas focadas na tolerância a herbicidas e na resistência a insetos. Ao conseguir gerar uma soja que não seja classificada como OGM e que não precise passar por regulação, a estimativa de uma oleaginosa ao menos 15% mais resistente à seca pode se concretizar daqui a cinco a dez anos. “Pode parecer incerto, mas é preciso lembrar que hoje em dia, qualquer produto transgênico, mesmo sendo produzido por grandes multinacionais, leva de 15 a 20 anos para ir ao mercado. Essas novas ferramentas permitem encurtar esse processo”, salienta a pesquisadora.
Desta maneira, na melhor das hipóteses, o sojicultor que plantar a oleaginosa na safra 26/27 com essa semente não precisará ficar sujeito a volume de chuva de no mínimo 450 mm e, sim, de “apenas” 380 mm. “É importante frisar que nunca conseguiremos transformar a soja ou outras culturas de grãos em cactos. O que é possível é ter um desempenho melhor em condições de estresse. A soja não vai poder sobreviver sem água, mas é possível perder menos em uma estiagem“, afirma Liliane.
Segundo ela, o indicado é sempre aliar uma genética que favoreça maior estabilidade de rendimento a outras práticas de manejo, como semear na época recomendada, utilizar cultivares adaptadas e fazer rotação de culturas, já que a adoção de uma única ferramenta não é capaz de dar a segurança que o produtor necessita.
Fonte: Canal Rural