Ampliação do teste do pezinho entra em vigor no SUS, mas ainda se restringe a poucos Estados
O Dia Nacional do Teste do Pezinho, celebrado anualmente dia 6 de junho, ganhou neste ano um motivo especial para comemorar. Desde o dia 26 de maio, a rede pública de saúde, amparada pela Lei nº 14.154/2021, passou a disponibilizar de forma gratuita uma versão ampliada do exame, com possibilidade de diagnóstico de, aproximadamente, 50 doenças nos bebês.
A iniciativa significou um avanço para a população e o PNTN (Programa Nacional de Triagem Neonatal), pois o teste detecta precocemente algumas doenças metabólicas sérias, raras e assintomáticas, que, se não tratadas a tempo, podem afetar o desenvolvimento do bebê e causar sequelas irreversíveis ou até mesmo morte.
Entretanto, o novo modelo do teste está disponível apenas para uma pequena parcela da população brasileira, como os residentes da capital de São Paulo e Brasília. Grande parte do SUS (Sistema Único de Saúde) ainda realiza o teste tradicional, que diagnostica seis doenças, sendo elas: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, síndromes falciformes, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase.
A coordenadora do Laboratório do IJC (Instituto Jô Clemente), Sônia Marchezi Hadashi, que realiza a maioria dos testes no Estado de São Paulo, explica que isto ocorre pois a realização da ampliação requer processos específicos para acompanhamento do paciente, denominados linha de cuidado, que nem todos os Estados possuem estrutura e recursos para incorporar.
“A linha de cuidado envolve a parte laboratorial, o ambulatório, acompanhamento, tratamento com medicações, infusões, transplantes, transplantes de medula óssea, medicações, fórmulas, enfim, todo o protocolo clínico que envolve a terapia desse paciente”, explica.
Como o teste funciona?
O exame é feito a partir da coleta de gotas de sangue do calcanhar dos recém-nascidos, parte do corpo rica em vasos sanguíneos. Os profissionais da saúde recomendam que ele seja realizado entre o terceiro e o quinto dia de vida do bebê para acelerar o diagnóstico. Também pode ser feito após este período na UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima.
O teste do pezinho é o primeiro passo para a identificação das doenças. Caso seja verificada uma alteração no exame, o recém-nascido deve ser testado novamente e diagnosticado por meio de testes mais específicos.
Toda esta conexão é feita pela organização responsável, como o IJC, por um setor de busca ativa. Nele, as equipes entram em contato com os hospitais, UBS ou com a própria família e, caso a suspeita seja confirmada, encaminham o bebê para os centros de referência.
“O teste do pezinho do SUS é um programa de saúde que vai desde o diagnóstico até o fornecimento da medicação, com acompanhamento especializado até a vida adulta”, acrescenta Tânia Sanches Bachega, professora na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e presidente da SBTEIM (Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal Erros Inatos do Metabolismo).
A nova versão do teste inclui 14 grupos de doenças e subdivide a identificação delas em etapas independentes.
A primeira inclui a identificação da fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, deficiência de biotinidase, toxoplasmose congênita e outras hiperfenilalaninemias e hemoglobinopatias.
Na segunda, são detectados níveis elevados de galactose (galactosemias), aminoacidopatias, distúrbio do ciclo de ureia e distúrbios da betaoxidação dos ácidos graxos.
A terceira etapa inclui as doenças que afetam o funcionamento celular (doenças lisossômicas). Já na quarta, problemas genéticos no sistema imunológico (imunodeficiências primárias). A partir da quinta, é testada também a AME (atrofia muscular espinhal).
A divisão em setores é definida de acordo com a metodologia do teste. Sônia explica que o exame do perfil de aminoácidos acetil carnitina, por exemplo, faz o diagnóstico de até 38 doenças com apenas uma pequena parcela de sangue.
Qualidade de vida
O reconhecimento precoce de doenças genéticas, congênitas, infecciosas e erros inatos do metabolismo e da imunidade evitam que o bebê desenvolva problemas sérios de saúde.
As doenças graves e raras necessitam de intervenções clínicas imediatas e tratamentos específicos, para evitar a progressão dos sintomas e o desenvolvimento de sequelas gravíssimas. Segundo Sônia, o senso de urgência é essencial.
“Quando você já faz esse teste precocemente, além de você melhorar a qualidade de vida dessas crianças, você muda totalmente o contexto da realidade da família”, afirma.
O reconhecimento tardio pode ocasionar deficiência intelectual grave e lesões no sistema nervoso central e periférico, por exemplo. São doenças que ocasionam internações recorrentes, necessidade de medicação constante e cirurgias. É um abalo físico e mental para a criança e para a família.
Além disso, o teste é benéfico não só para eles, mas para o Estado também. Tânia comprovou esta afirmativa em uma pesquisa realizada em conjunto a uma aluna do mestrado. O trabalho abordou as desvantagens da identificação tardia da HAC (hiperplasia adrenal congênita), que leva diversos bebês a óbito por desidratação com 30 dias de vida.
“Nós calculamos quanto custa fazer o teste do pezinho para hiperplasia adrenal congênita em 3 milhões de bebês que nascem por ano no Brasil e quanto custa tratar as complicações pelo diagnóstico tardio, por não ter teste do pezinho, em 300 bebês que nascem por ano com essa doença. Além da saúde do bebê não ter um valor financeiro calculável, fazer o teste do pezinho para 3 milhões de bebês é muito mais barato do que tratar as complicações de 300 bebês”, evidencia.
Revisão periódica
A Lei 14.154 determina que as doenças incluídas no teste serão revisadas periodicamente, de acordo com evidências científicas e benefícios do rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce.
Além disso, há a priorização das doenças frequentemente diagnosticadas no país e que possuem protocolo de tratamento aprovado e incorporado ao SUS. Hoje, a área de abrangência do teste ampliado realizado pelo IJC é de 7.000 bebês apenas no município de São Paulo.
Apesar de já ser um ganho, a coordenadora Sônia Marchezi considera que ainda há muito a se fazer.
“É uma vitória que a gente fica todo orgulhoso, mas a luta continua porque ainda precisa ser implantado a nível nacional. Nós estamos caminhando”, afirma.
Fonte: R7