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Congresso debate regulamentação do cigarro eletrônico; médicos reforçam os perigos à saúde

Se lá pelas décadas de 1970 e 1980 as propagandas e os filmes transformaram o cigarro em algo legal e descolado para os jovens da época, hoje as redes sociais têm feito esse papel para o cigarro eletrônico – também conhecido como vape. No TikTok, são milhares de vídeos que ensinam a personalizar o próprio aparelho, maneiras diferentes de soltar a fumaça, além de resenhas dos produtos e seus diversos sabores – são aproximadamente 16 mil disponíveis no mercado, entre eles chiclete e bolo de morango.

“O vape deixa uma sensação melhor na boca porque tem gosto e cheiro bons, diferente do cigarro”, compara Elisa* (nome fictício), de 20 anos. Ela preferiu não se identificar para que a família não descobrisse sobre o consumo do produto, que já dura dois anos. “Alguns amigos tinham e me ofereciam, até que aceitei e curti”.

Assim como ela, 70% dos jovens usuários dos chamados dispositivos eletrônicos para fumar (ou DEFs), que estão na faixa dos 12 aos 17 anos, dizem que consomem os produtos devido à oferta de sabores, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Recentemente, a entidade até publicou um guia para as escolas garantirem um espaço livre de nicotina e tabaco. Segundo a OMS, a indústria do cigarro mira justamente nos mais novos, o que tem resultado em um aumento no consumo de vapes entre crianças e adolescentes.

De acordo com a pesquisa Ipec de 2022, os vapes são usados por mais de 2,2 milhões de brasileiros, além dos quase 6 milhões de adultos que usam o cigarro tradicional e já experimentaram o produto. Aliás, essa curva de experimentação cresce ano a ano, e o número de consumidores habituais mais do que quadruplicou entre 2018 e 2022.

No entanto, curiosamente, a venda, importação e publicidade dos cigarros eletrônicos são proibidas no Brasil desde 2009 pela Anvisa, que sempre avalia o tema. Da última vez, em 2022, o órgão decidiu manter a proibição. Agora, pela primeira vez, a discussão chega ao Congresso. Nesta quinta, dia 28, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), realizou uma primeira audiência pública para analisar a regulamentação da venda do cigarro eletrônico no País. A discussão foi proposta pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).

Um dos argumentos mais usados por quem defende a liberação do produto é que ele funcionaria como um substituto menos nocivo dos cigarros tradicionais. Outra alegação é que, ao legalizar e definir regras para esse mercado, os consumidores estariam mais seguros. Mas especialistas em saúde contestam a medida. Segundo eles, o vape não é menos nocivo do que o cigarro tradicional – e liberá-lo poderia dar justamente essa impressão.

Redução de danos?

Alguns estudos até confirmam a teoria da substituição. Um deles, feito com 638 pessoas pelo MUSC Hollings Cancer Center, nos Estados Unidos, relatou que os participantes trocaram completamente os cigarros convencionais pelos vapes. Eles também foram mais propensos a relatar que reduziram as tragadas diárias e o número de “tentativas de parar” com outros métodos.

O Reino Unido acredita tanto nisso que está apostando nos vaporizadores para cumprir a meta de reduzir para 5% o número de fumantes até 2030. Em abril, o governo inglês anunciou o programa “Swap to Stop” (“Trocar para parar”, em tradução livre), no qual um milhão de usuários de cigarro convencional receberão um kit gratuito de cigarro eletrônico como estímulo para a troca.

Foi assim com o técnico de áudio Thiago Luvison, 27 anos. “Parei de usar cigarro faz uns cinco anos e fiquei cerca de dois anos sem fumar nada. Quando voltei, logo migrei para o pod”, conta ele, que foi atraído pela diversidade de sabores e pela ausência de cheiro forte. Ele conta que prefere os modelos descartáveis, e já deve ter consumido de 40 a 50 unidades neste ano.

Os cigarros eletrônicos foram inventados na década de 1960, nos Estados Unidos, por Herbert A. Gilbert. No entanto, não havia tecnologia para uma produção comercial naquele momento. Em 2003, um novo modelo foi desenvolvido pelo chinês Hon Lik, que queria usar o acessório para largar o cigarro tradicional – e ajudar outras pessoas nessa missão. Uma década depois, a patente desse produto foi vendida para a Imperial Tobacco Group. E vale dizer que Lik não parou de fumar – nem o cigarro convencional nem o eletrônico. De acordo com os especialistas, esse é realmente o padrão mais comum: ou seja, o consumo de ambos.

De lá pra cá, foram lançados diversos modelos de cigarros eletrônicos. Hoje, eles estão na quarta geração e são conhecidos também como ‘pods’. São recarregáveis ou descartáveis e têm formatos menores, alguns até apelidados de pen drive. O preço varia de R$ 60 até R$ 680.

Mesmo que o cigarro tradicional seja de fato trocado pelo vape, isso não é visto como uma vantagem por profissionais da saúde. A cardiologista Jaqueline Scholz, coordenadora do Comitê de Controle do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), nota que quem faz a substituição não largou de fato um hábito nocivo. “Para vencer a dependência da nicotina, é preciso fazer um tratamento para o tabagismo, e não substituir o produto”, diz ela, que já testou métodos com 70 a 74% de eficácia em seus grupos de estudos.

Segundo a médica, os novos produtos oferecem elevadas concentrações de nicotina e levam à dependência precoce. Ela faz a seguinte comparação: considerando que um maço convencional tem 20 cigarros e as pessoas costumam dar 10 tragadas por unidade, quem fuma um pacote inteiro ao dia dá cerca de 200 tragadas. Entre quem usa cigarro eletrônico (e de maneira modesta), o número de tragadas chega a 600 – em entrevistas, Jaqueline descobriu que o vape de 1 500 tragadas dura dois dias para esses indivíduos. “Como o cheiro é agradável, isso faz com que o indivíduo use o dispositivo eletrônico de forma discreta e sistematicamente”, afirma.

Cabe destacar ainda que, embora a discussão da regulamentação foque na troca do cigarro convencional pelo eletrônico, a verdade é que muita gente que talvez nem se tornasse fumante tem sido seduzida pelos vapes. Em maio de 2022, um trabalho publicado na revista científica Pediatrics mostrou que mais de 1 milhão de jovens americanos de 14 a 17 anos se tornaram novos usuários de tabaco entre 2017 e 2019 – desses, cerca de 75% optaram pelos vapes.

É um mercado tão promissor que, recentemente, a start-up Juul Labs, uma das fabricantes de cigarros eletrônicos mais conhecida dos Estados Unidos, foi adquirida pela Philip Morris, tradicional empresa produtora de tabaco.

O uso do cigarro convencional é baseado na queima do tabaco, o que gera uma mistura de compostos tóxicos. Já no dispositivo eletrônico, um líquido é aquecido até que vire vapor para ser inalado. O tal líquido normalmente é um composto que leva nicotina, sabores artificiais, aromatizantes, glicerina e propilenoglicol. A concentração de cada componente varia de marca para marca. Justamente pelo fato de o vape não depender de combustão, é comum ouvirmos que ele é menos nocivo.

Mas, segundo especialistas, essa característica não torna o aparelho inofensivo. “O vape tem que ser analisado de acordo com seus componentes”, aponta Jaqueline. A nicotina, por si só, já seria bastante preocupante. Além de aumentar o risco de complicações cardiovasculares, como agressão aos vasos sanguíneos e infarto, também pode gerar problemas de fertilidade, só para citar alguns prejuízos. Sem falar que muitos dispositivos concentram sais de nicotina, fazendo com que a concentração da substância, no fim das contas, seja muito mais alta – o resultado é uma maior probabilidade de dependência.

“O jovem fica absolutamente vulnerável. A nicotina acaba provocando uma abstinência tão intensa e rápida nesses usuários que eles ficam vaporizando a todo momento”, avalia Jaqueline. Dessa maneira, perde-se a conta do número de tragadas.

“Eu achei bem tecnológico e percebi que era muito fácil de ter. Afinal, ele é pequeno, cabe em qualquer lugar e a fumaça se dissipa rapidamente”, opina a fumante de pod Maria*, de 27 anos, que preferiu não ser identificada. “Faz mais falta do que meu próprio celular. Se deixar na minha mão, levo para o banho, almoço. É algo bem descontrolado.”

Além da nicotina, o cigarro eletrônico conta com outras duas substâncias essenciais: propilenoglicol e glicerol, ambos solventes, que ajudam a nicotina a dissolver e produzir a fumaça. “Porém, nunca houve um estudo de segurança em relação à inalação do propilenoglicol em humanos”, adverte Paulo Corrêa, pneumologista e coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

Ele explica que o propilenoglicol gera uma substância que é o formaldeído, também conhecido como formol – considerado cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês). O vapor do cigarro eletrônico também pode conter outras substâncias potencialmente danosas, incluindo aromatizantes e metais pesados, como níquel e ferro. A bateria do dispositivo representa um perigo extra: entre janeiro de 2009 e 2016, 195 incidentes de explosão e incêndio envolvendo um cigarro eletrônico foram relatados pela mídia dos EUA, diz relatório da U.S. Fire Administration.

Fonte: CP

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