MTE atualiza para 85 número de trabalhadores resgatados em situação semelhante à escravidão em lavouras de arroz no RS
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atualizou, nesta quinta-feira (16), para 85 o número de trabalhadores resgatados em situação semelhante à escravidão em lavouras de arroz de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. O número inicial era de 56 pessoas, subindo para 82 no início desta semana.
O MTE e o Ministério Público do Trabalho (MPT) já identificaram os elos da cadeia produtiva do arroz nas duas estâncias onde houve o resgate. Os proprietários das terras, o arrendatário de uma das fazendas, os aliciadores e uma grande empresa de sementes que comprava e controlava a safra. Os nomes dos envolvidos são mantidos sob sigilo pelas autoridades.
O esforço da fiscalização, agora, é identificar precisamente a responsabilidade de cada um dos envolvidos. Após essa etapa, deve ocorrer a negociação do pagamento voluntário das obrigações de cada um para com os trabalhadores, em indenizações individuais, e com a sociedade, em direitos coletivos.
O resgate ocorreu na última sexta-feira (10). Todos os trabalhadores estão sob atendimento dos órgãos de trabalho. Do total de pessoas, 11 são adolescentes com idades entre 14 e 17 anos.
Os proprietários da estância São Joaquim disseram que a propriedade está arrendada para uma pessoa que faz o plantio do arroz no local. Eles alegam que não sabiam das suspeitas de exploração de mão de obra e condenaram o que ocorreu. “Jamais imaginamos estarmos envolvidos em uma situação dessas”, diz um dos proprietários.
Em nota, a estância Santa Adelaida afirma que os trabalhadores encontrados não fazem parte do quadro da empresa e que eram terceirizados. A fazenda diz estar à disposição da Justiça para o esclarecimento do caso. “Somos produtores de arroz há 30 anos, e durante todo este período procuramos estar rigorosamente em dia com toda a legislação trabalhista, com as devidas normas de segurança e principalmente com o bem estar de todos os colaboradores que estão ou estiveram conosco ao longo destes anos”, diz. Leia a nota abaixo.
Novos casos
O MTE diz que, nos últimos dias, mais de 30 pessoas se apresentaram após o flagrante dizendo que também trabalharam nessas fazendas, mas que não estavam no local no dia do resgate. Como as condições de trabalho eram precárias, a rotatividade de mão de obra era alta, segundo os fiscais. Dessa forma, muitos trabalhadores abandonavam a atividade e eram substituídos por outros.
“Nós ‘trabalhava’ de pé descalço. Só aqui nas mãos também saiu ferida aqui. (…) Só que nós não ‘tava’ lá no dia que pegaram os guris, lá, sabe? Nós não ‘tava’. Eu queria saber o que que vão fazer por nós também”, diz um deles, que prefere não ser identificado.
Os fiscais dizem que os que não foram resgatados na fazenda devem buscar a Defensoria Pública, o sindicato da categoria ou um advogado particular para pedir seus direitos na Justiça do Trabalho.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Polícia Federal (PF) e com o MPT, busca identificar quem são os empregadores dessas 85 pessoas.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Uruguaiana montou um grupo para acolher as pessoas vítimas de trabalho análogo à escravidão. Fazem parte do grupo as secretarias de Agricultura, Educação e Saúde. Em conjunto com o município, o Conselho Tutelar começou a busca pelos adolescentes resgatados.
Relembre
Conforme a fiscalização, os trabalhadores realizavam o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxico na plantação. Os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção e caminhavam à exaustão antes de chegarem ao local em que desempenhavam as atividades, de acordo com as autoridades.
A refeição e as ferramentas de trabalho eram custeadas pelos próprios empregados. As condições degradantes incluíam comida azeda, não fornecimento de água e caminhadas de cerca de uma hora sob o sol escaldante para chegar ao local em que desempenhavam as atividades. Segundo Vitor Siqueira Ferreira, os próprios funcionários dos órgãos de fiscalização ficaram impressionados com a situação.
A comida deles azedava e eles tinham que repartir o que não azedava entre eles. Sem local de descanso, então muitas vezes tinham que dormir embaixo do ônibus, que era onde tinha sombra”, relata o auditor.
Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.
“Era um trabalho penoso, ficavam no sol, sem alimentação, sem água potável, muitas vezes tinham que andar mais de 50 minutos, muitos andavam descalços”, diz o procurador Hermano Martins Domingues.
A operação foi realizada em duas propriedades rurais do município, após uma denúncia informar que havia jovens trabalhando sem carteira assinada. Ao chegar ao local, a fiscalização constatou a situação e identificou adultos também em condição de escravidão.
De acordo com o MPT, os trabalhadores eram da própria região, vindos de Itaqui, São Borja, Alegrete e de Uruguaiana. Eles teriam sido recrutados por um agenciador de mão de obra que atuava na Fronteira Oeste.
Segundo o MPT, os trabalhadores vão receber de imediato três parcelas de seguro-desemprego, e os empregadores serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias. Na sequência, serão pleiteados os pagamentos de indenizações individuais e coletivas.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz), entidade que representa as associações de arrozeiros regionais, disse, em nota, que “estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos”.
Já o governo do estado divulgou, também em nota, que “fez os atendimentos iniciais para acolhimento dos resgatados”.
Galpão onde parte dos trabalhadores dormia em Uruguaiana — Foto: Ministério Público do Trabalho/Divulgação
Nota da Fazenda Santa Adelaide:
“A Fazenda Santa Adelaide, localizada em Uruguaiana, vem a publico prestar esclarecimentos em relação às noticias vinculadas em alguns meios de comunicação a respeito de irregularidades e descumprimento de normas e regulamentações de trabalho em sua propriedade:
1- Os funcionários ora encontrados na fazenda por ocasião da fiscalização dos órgãos competentes não fazem parte nem nunca fizeram parte do quadro de funcionários da mesma. Estes funcionários pertenciam a uma empresa terceirizada, que fora contratada para realizar roguing (arranque de plantas atípicas);
2- Os referidos funcionários vinham da cidade todas as manhãs, normalmente em Vans, trabalhavam em dois turnos e ao final do dia, retornavam para cidade com as mesmas vans que os traziam;
3- Ainda que os funcionários não eram contratados da fazenda, era disponibilizado transporte para facilitar o deslocamento dos funcionários para dentro da lavoura e retorno da mesma.
4- Somos produtores de arroz há 30 anos, e durante todo este período procuramos estar rigorosamente em dia com toda a legislação trabalhista, com as devidas normas de segurança e principalmente com o bem estar de todos os colaboradores que estão ou estiveram conosco ao longo destes anos;
5- Por fim, neste momento o que estaremos priorizando é dar todas as informações necessárias para contribuir com a justiça e nos colocarmos inteiramente à disposição para esclarecimentos dos fatos.”
Fonte: G1/RS